terça-feira, 25 de agosto de 2009

"O Verdadeiro Você"

Por Luís Fernando Veríssimo

Um homem só se conhece em duas situações: quando está sob a ameaça de uma arma ou quando quer conquistar uma mulher. Há quem diga que existe um terceiro teste: como o homem reage diante de um vitral da catedral de Chartres. Pode ter sido um materialista incréu a vida toda, mas diante de um vitral da catedral de Chartres se descobre um místico — ou não. Sei de céticos que, com certa luz do entardecer batendo nos vitrais da catedral de Chartres, chegaram a levitar alguns centímetros, até racionalizarem a situação e voltarem para o chão. Mas só nos conhecemos, mesmo, na frente de uma arma ou atrás de uma mulher.

Você pode argumentar que ambas são situações de descontrole emocional. Errado: o descontrole é o homem. O controle é o disfarce. Você deve se julgar pelo seu comportamento quando enfrentou a possibilidade da morte ou quando estava a fim da (o nome é hipotético) Gesileide. Aquela vez que você se escondeu atrás de um poste para ver se ela chegava em casa com alguém. Meia-noite e você atrás do poste, sob o olhar curioso de cachorros e porteiros, fingindo que lia a lista do bicho no escuro. Aquele imbecil — e não esse cidadão adulto, respeitável, razoável, comedido, talvez até com títulos — é você. Tudo o mais é a capa do imbecil essencial. Tudo o mais é fingimento. Você nunca foi tão você quanto atrás daquele poste.

Pense em tudo o que você já fez para conquistar uma mulher. Os falsos encontros casuais, cuidadosamente arquitetados. Os falsos telefonemas errados, só para ouvir a voz dela. (”Telefonei para você? Onde eu estou com a cabeça!”) As bobagens que você disse, tentando impressioná-la. Pior, as bobagens que você ensaiou em casa e disse como se tivesse pensado na hora. O que você lhe escreveu, sem revisão ou autocrítica. Aquele ridículo era você. Os dias e dias que você passou só pensando nela. O país desse jeito, e você só pensando nela. Sem dormir, pensando nela. Tanta coisa para fazer, e você escrevendo o nome dela sem parar. Gesileide (digamos), Gesileide, Gesileide… E as mentiras? E a vez que você inventou que era meio-primo do Julio Iglesias?

E o que você sofreu quando parecia que não ia dar certo? Como um adolescente. Aquele adolescente era você. Isso que você é agora é o disfarce, é o imbecil essencial em recesso provisório. Só o vexame é autêntico num homem.

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Por esta, e por outras tantas, é que o Homem é (à luz dos meus olhos) um Génio.

2 comentários:

V for Vanessa disse...

"o descontrole é o homem. O controle é o disfarce."
"Aquele imbecil — e não esse cidadão adulto, respeitável, razoável, comedido, talvez até com títulos — é você. Tudo o mais é a capa do imbecil essencial. Tudo o mais é fingimento."
"Isso que você é agora é o disfarce, é o imbecil essencial em recesso provisório. Só o vexame é autêntico num homem."

Só a partir da primeira frase que enumerei é que fiquei colada ao texto e só li agora de manhã (e não ontem à noite quando me enviaste o link), mas eu sei lá. É fantástico.

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Mariana disse...

Tá muito bom o texto. Adorei ;)