quarta-feira, 23 de março de 2011

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Se há uma característica em que consigo exceder aos outros, é na qualidade de fingidor.

Até hoje, ainda há quem julgue que sou inteligente. Esses mesmos, também costumam louvar um certo conhecimento vasto, uma grandiosidade de espírito, e uma certa extroversão.

Quem me dera ser uma décima parte daquilo que julgam.

terça-feira, 15 de março de 2011

Reconhecimento à Loucura

Reconhecimento à Loucura

"Já alguém sentiu a loucura
vestir de repente o nosso corpo?
Já.
E tomar a forma dos objectos?
Sim.
E acender relâmpagos no pensamento?
Também.
E às vezes parecer ser o fim?
Exactamente.
Como o cavalo do soneto de Ângelo de Lima?
Tal e qual.
E depois mostrar-nos o que há-de vir
muito melhor do que está?
E dar-nos a cheirar uma cor
que nos faz seguir viagem
sem paragem
nem resignação?
E sentirmo-nos empurrados pelos rins
na aula de descer abismos
e fazer dos abismos descidas de recreio
e covas de encher novidade?
E de uns fazer gigantes
e de outros alienados?
E fazer frente ao impossível
atrevidamente
e ganhar-Ihe, e ganhar-Ihe
a ponto do impossível ficar possível?
E quando tudo parece perfeito
poder-se ir ainda mais além?
E isto de desencantar vidas
aos que julgam que a vida é só uma?
E isto de haver sempre ainda mais uma maneira pra tudo?

Tu Só, loucura, és capaz de transformar
o mundo tantas vezes quantas sejam as necessárias para olhos individuais.
Só tu és capaz de fazer que tenham razão
tantas razões que hão-de viver juntas.
Tudo, excepto tu, é rotina peganhenta.
Só tu tens asas para dar
a quem tas vier buscar."

José de Almada Negreiros

segunda-feira, 14 de março de 2011

Aquileia.

Antes de tudo, peço uma licença romântica. Obrigado.

[...] Estas palavras vinham apetrechadas, não de asas, mas sim de um cortante bronze.
No seguinte momento, não houve ser vivo à face da Terra, que não tivesse ouvido o grave grito de Aquiles. Os Troianos de rápidos cavalos declaravam a vitória, enquanto os Argivos recuavam para as suas velozes naus.
Gritos de horror invadiam o acampamento dos Aqueus. Mas foi o choro do Pelida que despertou a atenção da deusa Tétis, que surgiu a seu venerável filho:
- Aquiles, meu filho, que mágoa te aflige? Qual é o dolo que causa o teu pranto?
- Foi Pátroclo, filho de Menécio, que morreu pelas mãos de Heitor. Essa é a causa da mágoa que me transtorna
- E o que vais fazer agora?
- ...? [como que a despertar de um sono profundo] fazer?
- Sim, o que pretendes fazer?
- [seu choro torna-se raivoso, e fala entre dentes] Vou matá-lo.
- Temo então que não viverás por muito tempo.
- Por que o dizes?
- Os vossos destinos. Têm-nos agrilhoados pelas moiras. A morte de Heitor condiciona, de imediato, a tua existência.
- De que maneira?
- Com a morte.
- Não me importa.
- Por favor, meu filho... pensa bem no que estás a dizer...
- NÃO ME IMPORTA! Vou matá-lo! Vou matá-lo e espezinhá-lo até que se desfigure. Não volto para enterrar Pátroclo sem a cabeça de Heitor em mãos. Sem o amor de Pátroclo, de nada me valem as glórias mundanas.
- Deixa-me, ao menos, que te ajude.
- Não! Mantém-te fora disto!
- Não quero envolver-me em qualquer tipo de combate, filho. Quero apenas entregar-te esta armadura, que perdi a Hefesto, o ambidestro, que forjasse. É feita dos mais nobres metais, e não há oura, dentre os mortais, que a ela se iguale.
- Obrigado, Mãe. Obrigado.

E assim dizendo, revestiu-se de sua bela armadura e, por entre uma crescente raiva, saiu de sua tenda, em direcção à zona de combate, e incitou seus companheiros:
- Não desistais, Dânaos! Sois demasiado fortes, para desistir! Grande é, e ainda maior será, a vossa glória em todo o mundo!

O amor que tinha a Pátroclo, e o ódio por Heitor, juntaram-se à armadura do Pelida, fazendo com que uma aura incandescente o envolvesse, inspirando em seus companheiros uma confiança tal, que motivou todos Aqueus de belas cnémides, a voltarem ao combate.

Os Troianos por sua vez, depois de verem doze companheiros demolidos por Aquiles, de uma só investida, batem em retirada. A eminencia da noite, fez com que os Argivos não perseguissem os Troianos, mas antes voltassem para seu acampamento.

Quando surgiu a que cedo desponta, a aurora de róseos dedos, Aquiles trajou-se com sua armadura, e saiu uma última vez de sua tenda (ainda a soluçar lágrimas de dor). Dirigiu-se, seguido de perto pelos Aqueus, para as portas de Tróia. A enxugar suas lágrimas, gritou raivosamente:

- HEITOR, MEU CABRÃO! Vem p'ra cá se não quiseres ver as tuas muralhas a ruir e a tua cidade a arder.
- O que dizes, ó Louco Pelida?
- Sai e vem combater! Não saio daqui sem o teu cadáver.
- O que dizes, homem tolo? Julgas-te capaz de me vencer num duelo?
- Sim!
- És insano!
- Esse é um problema meu, certo?!
- Está bem, aceito o teu desafio. Serão os olímpicos testemunhas de nosso combate. E enquanto nenhum de nós tombar eternamente no duro chão, manter-se-ão tréguas entre os Argivos e os Troianos.
- De acordo.

Aquiles cessa o seu choro, permanecendo apenas com os olhos ainda mareados. Heitor sai de Tróia acompanhado pelos seus companheiros. À volta dos dois heróis, um diante do outro, encontravam-se aglomeradas uma e outra facções. A Heitor entregaram os troianos três lanças; Aquiles tem apenas a que trazia consigo. Antes de começarem, saúdam-se mutuamente:

- Chamo-me Aquiles. Filho de Peleu, neto de Éaco. Senhor entre os Mirmidões.
- Sou Heitor. Filho de Príamo, neto de Laomedonte. Senhor dos Troianos.

Dando então início ao combate, Heitor três vezes muniu-se de suas lanças, três vezes as atirou, e três vezes Aquiles se desviou. - É tudo o que tens? - Exclamou o Pelida. Com raiva, o Priâmida empunhou sua espada, e correu para cima do inimigo.
O de pés velozes, avançou para Heitor, pôs fim ao balançar da brônzea espada espada Troiana, e deferiu apenas um golpe com a sua lança, entre o peito e o pescoço de Heitor, pondo assim fim à sua vida. Este, como último suspiro, suplicou ao Rei dos Mirmidões que retornasse seu corpo a Príamo e Hécuba, para que lhe fossem prestadas as devidas honras funerárias. Em vão foram tais palavras, posto que já não mais queria Aquiles saber das leis às quais -encontram-se subjugados os mortais.

Dos olhos do Pelida, brotavam torrentes lacrimosas. Sentia-se, finalmente, aliviado. Atingira, finalmente, a sensação de dever cumprido. Julgava, finalmente, ter vingado Pátroclo. Nunca antes lhe soubera tão bem arrebatar a vida de um inimigo. Contudo, este sentimento durou-lhe apenas efémeros momentos, visto que, passado o choque inicial, os Troianos ameaçavam avançar sobre Aquiles, parava vingar a morte do amado Rei. Ao Peleu, bastou o bater do pé direito contra o chão, e um urro a plenos pulmões, para dissipar qualquer cogitação de investida Troiana. Começara então a despir Heitor de suas brônzeas vestes.

Quando acabou, os Dânaos preparavam-se para retornar para o acampamento, mas Aquiles deteve-se, agarrou em sete cordas, e voltou para junto de Heitor. Sete vezes, esfaqueou o desnudo Priâmida. Sete vezes, prendeu-no a seu carro. Sete vezes, cuspiu-lhe para a cara, e sete vezes amaldiçoou Tróia. Sete vezes gritou por Pátroclo, e sete foram as voltas que deu às muralhas da Cidade, arrastando o corpo de Heitor.

Horrorizados (e por detrás das muralhas) assistiam os Troianos à terrível cena. Ao fim da sétima volta, Aquiles destrela o corpo de Heitor, e prepara-se para o degolar. Alexandre, o outro Priâmida, antecipa-se a Aquiles, e dispara-lhe uma flecha (guiada por Febo Apolo), que atinge no calcanhar do Pelida, que tomba por terra, com um sorriso em seu rosto, de imediato. Os Troianos regozijavam-se, enquanto os Argivos desesperavam-se. Eminente era o retomar do combate, quando o sábio Nestor dirigiu ao nobre Príamo as seguintes palavras apetrechadas de asas:

- Suspendamos as armas para podermos prestar as devidas honras aos nossos heróis.

Príamo respondeu com um aceno positivo, e ordenou que fosse recolhido o corpo de Heitor. Da sua parte, os Dânaos retornaram para as suas côncavas naus, para poderem, juntos, chorar os seus mortos. Ulisses carregava o corpo de Aquiles. Ao chegar, o Laértida prostrou o corpo que trazia, junto ao de Pátroclo. Uma vez mais, antes de serem cremados, encontravam-se os dois juntos, no mesmo estado e condição. Uma vez mais, sorria Aquiles junto a Pátroclo.

Uma vez mais...

quarta-feira, 2 de março de 2011

Prometeu, Agrilhoado.

[...] E ao proferir tais palavras, Zeus Basileus* fez com que emergissem das águas, quais peixes saltitantes, inquebrantáveis correntes, que prenderam Prometeu sem que pudesse, sequer, esboçar uma reacção. Estava decidido. O Supremo Juiz declarara: Prometeu passará a sua (eterna) vida preso ao Cáucaso, e a ter seu fígado, debicado por uma águia. Somente para que o fígado recresça, e volte a ser consumido no dia seguinte. Essa espera pelo retorno da ave, é das piores angústias que um homem pode sofrer. Todos dias, tenta também, em vão, partir as correntes, para se poder libertar da sua eterna punição.

A incessabilidade*, faz com que este seja, pois, o mais cruel dos castigos. Bem merecido, contudo. Não tivera ele cometido o mais grave dos crimes: dera aos homens o segredo do fogo, que Zeus guardava para si.

A Perpetuidade da punição, e a durabilidade das correntes são do conhecimento de Prometeu. Afinal, foi ele quem deu o Fogo ao Homem.

Mas não é por isso que ele deixa de tentar rompê-las.
Afinal, foi ele quem deu o Fogo ao Homem.


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* Basileus: palavra grega com o sentido de "rei". dei preferência a esta forma, pela eufonia provocada pela expressão "Zeus Basileus"
* Incessabilidade: palavra que julgo ser um neologismo por mim criado. Tem a pretensão de expressar a capacidade de Incessante.

terça-feira, 1 de março de 2011

Imóvel, imovível. Amovível.

É impressionante como muda o meio, mas o problema continua a ser o mesmo. Já há largos meses que tenho dito que quero escrever mais para o meu blog, e postar mais. Eu até acabo por fazer alguns textos mas, como tudo o resto, parece que não consigo passar à prática. Medo de ter medo. Um dos meus piores defeitos. Se eu olhar para qualquer coisa que esteja mal na minha vida, passa sempre pelo mesmo: a inexistência de tentativas.

Eu sou a causa dos meus problemas.
Eu sou os meus problemas.
Assim sendo, sou também a solução.

Será?
(...)
Será?